Eu tinha o sonho de ter uma penteadeira. Sempre achei que esse era o móvel mais bonito do mundo. E, há poucos anos, quando meus pais começaram o projeto de construção da casa deles e me chamaram para palpitar na decoração do meu quarto, eu só fiz questão da penteadeira. Apesar de já não morar com meus pais há muito tempo, toda vez que fosse visitá-los eu poderia ficar sentada em um banquinho estofado, olhando a minha cara em um espelhão lindo, com moldura antiga. Não sei bem o que eu faria ali, já que não uso maquiagem nunca e mal escovo o cabelo, mas a ideia me parecia muito glamourosa.
Só que eu engravidei durante a construção da casa dos meus pais. E a minha mãe, animadíssima com as mudanças que faria em meu quarto para receber também visitas da neta que estava por vir, propôs que ali, onde inicialmente ficaria a minha penteadeira, a gente colocasse um trocador.
A penteadeira sumiu do projeto. Achei um absurdo, um exagero, uma audácia. Sugeri que trocássemos as fraldas em cima da cama, no sofá, em qualquer superfície plana – menos naquele canto, onde meus sonhos guardavam um banquinho e um espelho. Minha mãe, do alto da experiência materna e do puro e simples bom senso, argumentou que isso era impossível. Explicou, como se explica algo a uma menina mimada, que o trocador era temporário, que a minha filha eventualmente não precisaria dele e que, então, poderíamos voltar com a ideia da penteadeira.
Venceram a lógica e a razão da minha mãe. A contragosto, concordei com a mudança e, no quarto em que ocupo quando vamos visitar meus pais, naquele pedacinho sagrado, vê-se hoje um móvel sem espelho, com um colchão em cima, em cujas gavetas podemos achar fraldas e roupinhas de bebê. Nem um só batom, nem uma escova de cabelo, nada de perfumes em frascos elegantes.
Essa foi uma das primeiras perdas que a Nina me trouxe. A perda da penteadeira, mas principalmente a perda do imperativo da minha vontade. Da minha autonomia sobre o meu espaço, da minha prioridade. Depois dessa, vieram muitas e maiores perdas. E tem hora que ainda dói. E tem hora que é pesado. E tem hora que tudo o que eu queria era ser uma moça com uma penteadeira. Mas alguma coisa mudou em mim: hoje, nos espelhos diante dos quais eu passo com a Nina, eu olho primeiro pra ela. E sinto um orgulho grande por ter conseguido perder esse tantão, esse cantinho. Por ter conseguido parar de só olhar pra mim.
Sigo firme no meu sonho. Assim que o trocador for embora, no quarto da casa dos meus pais vai existir uma penteadeira. Eu vou poder ficar ali, no meu banquinho, olhando pra minha cara em um espelho lindo de moldura antiga. Aí a Nina vai chegar e, como sempre faz, vai querer sentar onde eu estou, dizendo “sentar-igual-mamãe”. Vai me descabelar, tentando fazer um penteado. Vai roubar o meu colar e querer a minha pulseira. Vai bagunçar tudo. Finalmente, vai cansar da brincadeira e vai embora. E eu vou continuar ali, esperando que ela volte. Torcendo pra que ela volte.
Pode vir, filha. Eu chego pro lado e dou um cantinho pra você, que me ensinou a perder e que me ensinou a dividir.