JOVEM DEMAIS

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Minha mãe ficou grávida pela primeira vez aos 27 anos, de mim. Eu engravidei da Nina aos 33. Mas minha mãe já era adulta e madura quando eu nasci, e eu fui mãe jovem demais, muito precocemente. Não me peçam para explicar como isso é possível, mas é assim que é.

Lembro-me, por exemplo, da minha mãe dirigindo o Fusca da família e eu, do banco de trás do carro, prestando atenção em uma mecha de cabelo dela, presa de um jeito impecável com uma fivela dourada. Ela estava sempre linda. Ela nunca se esquecia de guardar meu lanche da escola na merendeira e comparecia a todas as reuniões de pais. Ela sabia de cabeça os meus compromissos e nunca perdia a hora para eles. Cozinhava bem desde sempre, me pegava no ar milésimos de segundos antes de eu cair, sabia meu peso e minha altura de cor quando íamos ao médico. Ela era uma adulta, enfim. Uma mãe.

Do banco de trás do meu carro, hoje, a Nina me vê. Vê uma moça imatura com o cabelo preso de qualquer jeito num elástico velho. Uma distraída que se esquece de colocar fraldas na bolsa quando saímos de casa. Que está sempre atrasada com alguma vacina. Que acorda às seis da manhã e mesmo assim, todos os dias, tem menos tempo livre do que devia. Que queima a comida rotineiramente, que deixou a filha escorregar no box em seu primeiro banho de chuveiro, que tem que voltar à escola pela segunda vez no dia pra levar o lanche que ficou pra trás.  Que sempre precisa fazer contas mentais pra responder a idade exata que a pequena dela tem. Que se pegou pensando “não vai ficar nenhum adulto aqui com a gente?” na hora em que se viu sozinha com o seu bebê pela primeira vez. Eu sou uma menina, enfim. E, mesmo assim, uma mãe.

Ninoca, não vai ser fácil a sua tarefa de fazer o elástico velho que prende o meu cabelo bagunçado parecer tão bonito, nas suas lembranças de infância, quanto a fivela dourada que minha mãe usava. Não vai ser fácil se esquecer deliberadamente de alguns tombos e da comida com gosto de carvão. Mas eu conto com você. Conto com o olhar apaixonado com que você me olha do banco de trás do nosso carro, o mesmo com o qual eu olhava a minha mãe. Esse olhar, filha, faz milagres. Transforma elástico velho em fivela dourada, transforma tombo em beijinho. Transforma menina em mulher. Transforma mulher em mãe. Transforma mãe em poesia.

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