Passei nove meses gestando uma filha na barriga e, na cabeça, uma outra: a filha que eu imaginava que teria.
A Nina dos meus sonhos tinha cabelos castanhos e fartos. Quando crescessem, cortaríamos uma franja e eles seriam enfeitados diariamente com um dos muitos laços de fita que comprei.
Desde cedo, ela aprenderia comigo os hábitos alimentares saudáveis que demorei trinta anos para adquirir. E, como não gosto de TV, teríamos tempo para atividades ao ar livre. Correríamos juntas nos finais de semana assim que ela estivesse um pouco mais velha.
Estabeleceríamos uma rotina. Acordar cedo, tomar café da manhã em família, ir para a escola, chegar em casa e fazer atividades que estimulem a criatividade. À noite, um sono sossegado no berço.
Nasce a Nina. É careca, nem um fio de cabelo. Meses depois o cabelo cresceu um pouco, se você reparar com boa vontade já tem uma penugem, põe o laço de fita, caiu, cola com sabonete, caiu de novo, ela odeia usar coisas na cabeça, ela está berrando, deixa a coitada sem o laço de fita.
Começou a comer. Ela adora frutas, ela já não gosta mais de uva, ela só gosta de banana, ela tem nojo da textura da banana, a única coisa da natureza que ela come é milho em forma de pipoca. Ela aprendeu a falar chocolate, não pode dar doce, deixa sem comer, ela precisa comer, dá logo esse nugget que ela está com fome.
Ela acha lindo o relógio de corrida da mãe. Ela encosta o relógio de corrida da mãe na orelha e usa como se fosse um celular pra falar com a Galinha Pintadinha, ela não quer brincar lá fora, ela quer ver TV, ela ama a Galinha Pintadinha. Ela demorou para andar, vai demorar cem anos para correr, vou correr sozinha enquanto o pai fica com ela, é bom que descanso um pouco, é bom que espaireço.
Ela toma café da manhã com a gente na mesa. Ela não quer mais ficar sentada, não pode comer assistindo TV, vamos dar pelo menos o leite, joga o leite no sofá enquanto vê TV, deixa ela molhar o sofá enquanto a gente come esse pão bem rápido. Chegou da escola, o sol está forte, estou com preguiça de levar ao parquinho, ela já está criativa até demais, cadê a Galinha Pintadinha enquanto eu acabo de ler esse texto que é para amanhã.
Ela sabe dormir sozinha. Acordou de repente, está de pé no berço, está chamando o papai, está berrando a mamãe, já chamou até a avó que mora em outro país pra tirá-la de lá, deixa dormir com a gente, não pode dormir com a gente, coloca no berço de novo, chora mais meia hora, finalmente dormiu. Que saudade dela, que saudade do cheirinho dela, tira do berço e põe pra dormir com a gente, só hoje. A Nina imaginária era uma chata, filha, ainda bem que veio você e não ela, ou a chata era eu, vamos dormir, chora mais um pouco, dorme todo mundo junto, todo mundo exausto, todo mundo desobedecendo todas as regras, todo mundo feliz.